Eu até entendo.

Eu entendo.



Entendo o que é acordar as 5:30 da manhã no maior bom humor, tomar um belo banho, vestir-se, pegar as bolsas e ir para o ponto de ônibus, onde há mais de 20 pessoas esperando o mesmo que você...O ônibus claro! E ele vem com mais 80 pessoas que, também tem o mesmo objetivo...Chegar ao trabalho.

Sai de um ônibus lotado, onde a tiazinha ao lado não parou de pisar no seu pé e apoiar-se em seu corpo enquanto o ônibus fazia uma curva, chegou até achar engraçado,humor nível nove, como tão cedinho as pessoas querem falar, da novela, da vizinha, do marido.

Sai do ônibus agora é a vez do trem...cara, mar de gente, gente por todos os lados, gente que não acaba, mas, seu nível de humor a essas horas, com certeza já está oscilando!

Principalmente, porque, derrubaram a revista que lia, despentearam seu cabelo, amassaram sua blusa, estão amassando seus seios e tem um cara do seu lado que fica cada vez mais claro..."Ele não usou rexona".

O outro á sua frente, este, que quase te beija, parece não ter escovado os dentes , sente que a marmita que está na bolsa da senhora logo atrás, devia ter sopa...porque está vazando em sua calça...Ai, dali,nossa, daqui...não é fácil acolá.

Nunca em um dia, escutou tanto a frase "Ai meu senhor", o nome "Jesus"e todas as evocações de santos possíveis.

Você está apertando alguém, alguém está te apertando, agora você começa a profetizar....

As portas se abriram e nem precisou se mexer, foi "cuspida"literalmente pra fora e, com os braços tenta afastar as pessoas que querem entrar e é empurrada por aqueles que desejam sair!Seria um pesadelo?Humor nível oito.

Meu pai...Diz...Agora é hora do metrô, será que estou atrasada?Bem, até gostaria de andar mas depressa, só que tem gente achando estar em um passeio de escola, porque anda devagar oscilando de um lado para o outro indeciso á que caminho seguir, contemplando a vista e impedindo que acelere o passo...Jesus...resmunga.Nivel de humor... seis, olha que poderia estar pior.

Mas entende, todos precisam trabalhar.È ou não é uma alegria pegar metrô?Definitivamente...Não, é claro, mas no entanto eu entendo.

Entendo que o cara tá se roçando na minha bunda, mas não é de propósito, entendo que a senhora de azul está nervosa, porque está sendo espremida bem no cano perto da porta,entendo todas as reclamações, ser amassada, espremida, despenteada, abusada sexualmente(não intencionalmente).

Entendo, que o precisamos chegar ao trabalho, do trabalho ir pra casa, pra assistir novela, para dar banho no cachorro, alimentar o bebê, que seja, não importa quais os motivos que cada um tem pra estar, no mesmo lugar, na mesma hora, no mesmo vagão...E acreditem, quase no mesmo corpo!Com um objetivo"chegar em algum lugar".

O que eu não entendo é, porque ao invés de atropelar as pessoas, pisar nelas, usar toda raiva e frustração contra quem não tem nada haver com nossos problemas, nós, todos que estamos ali, na mesma hora no mesmo lugar, não reclamamos com quem realmente deveríamos?

Se todos que falassem,"mas não adianta nada", mudassem para o "não custa nada tentar", talvez, houvesse mais ônibus, trens, metrô, mas qualidade de transporte, para termos mas qualidade de vida.Humor nível cinco.

Chegamos aos nossos destinos totalmente esgotados desta maratona, afogados do mar de gente e porque estamos deixando pra lá?Nível de humor? quatro.

Não entendo porque todas aquelas pessoas não erguem a cabeça e fazem algo não só para seu próprio beneficio, mas para os de outros que vão vir também.Se todas as vozes de lamurias mudassem o texto e falassem a mesma língua, talvez não houvesse tanto trânsito de gente!Humor nível dois.

Todos querem descontar suas dores e raiva em quem não conhecem, ao invés de segurar a mão do outro pra ele não cair e, dar lugar para a que entrou quase que por milagre, preferem fingir que estão dormindo!E quando é que todos vamos acordar?Acordar pra fazer a diferença, e gritar com aqueles que realmente merecem ouvir.

E não venha com este papo de não encostar nas portas e liberar o corredor, não dá mas pra deixar passar, nem quero, preciso de espaço pra respirar, quero espaço...Todos queremos espaço...Porque juntos, não fazemos algo pra conquista-lo?

Isto eu já não entendo, humor nível zero, nem nunca vou entender!

Agora chegou a hora e, se eu conseguir pisar lá fora sem alguém me derrubar, deixo pra entender um pouco mas amanhã...Junto com o mar de gente que me afogou hoje, vamos nadando e nadando até morrer na praia, no ponto ou em qualquer estação.

OLHO POR OLHO.

Chega, quero olho no olho.

E quando é que ficou tudo tão... Olho por olho e dente por dente?

Quando as pessoas se olhavam de verdade, elas viam coisas que não vemos agora.

E havia cumplicidade, uma solidadriedade, uma humanidade que se perdeu.Perdemos o hábito de enxergar o outro. È tudo olho por olho.

Ninguém olha para trás, não se interessam em recuperar sentimentos, coisas boas, um costume antigo de se importar com os outros.Dente por dente.

Também não olham para o lado, tanta chuva, tanta coisa desabando, os carros batendo e os meninos no farol trabalhando, mendigando, atenção, uma moeda...qualquer coisa pra matar a fome, matar o frio, a sede...Da vida, da água, da vingança de um mundo que os puniu e nem conseguem enxergar porque.

Nos recusamos também, a olhar para frente, até tememos o que pode vir, porque e se vier pela frente algo que não dá pra encarar?Ter que olhar olho no olho, sem desviar o olhar...Ter de se enxergar nos olhos daquele que nos percebe, mas não nos acusa, pois se vê igual, olho no olho, revela as mentiras sinceras que gostamos de maquiar para nosso olhar.

Nos acostumamos a fechar a boca, ranger os dentes, baixar a cabeça e olhar para o próprio umbigo , pra quem não gosta de ver o que reflete nos olhos alheios, se tornou a melhor opção.

Tá olhando o que?

Páginas em branco.

Todos os dias, ele ia trabalhar já querendo voltar pra casa...Decorou as ruas, o nome delas e todos os bares e becos que haviam em volta, o mesmo carro vermelho que passava exatamente ás 6:33 da manhã, sabia que depois dele, viria o senhorzinho que comprava pão ali, na padaria da esquina, ás 6:36 ele diria Bom Dia, em seguida sua lotação.

Os mesmos rostos e, as mesmas reclamações por anos...As crianças viraram adolescentes e as pessoas envelheceram junto com ele, notava sua vida passar sempre igual de dentro de uma janela...fosse do ônibus, fosse de seu escritório, fosse da sala de casa...Onde viu muitas chuvas e acompanhou muitas mães levando seus filhos na escola.Assistiu muitos namoros, alguns até transformaram-se em casamento, depois de algum tempo em separações.

Todos o conheciam, mas, poucos lembravam-se dele...temia chamar atenção.

Tímido, nunca teve grandes amores, nem casos tórridos de paixão...No máximo, romances de elevador ou filas de mercado, daqueles platônicos que, nunca passam de um sorriso no canto da boca.

Não saia de casa no inverno, no verão preferia ficar em frente ao ventilador, vendo o vento passar e levantar o jornal,conseguia achar divertido...sentia-se cansado no outono e na primavera, tomava chá gelado no jardim e, observava as formigas trabalharem.

Não incomodava ninguém, não se incomodava com nada, tinha tudo que precisava e por isso, não fazia questão de ter o que queria...Não era relevante.

Amigos, se pudesse dizer que os tinha, eram tão poucos que nunca os viram no portão...Tinha tanto medo que tudo acabasse, por isso nunca começou nada, nem arriscou nada, porque preferia estar seguro.

Morou com os pais até os trinta, passou a morar sozinho, pois teve medo de não se adaptar a vida interiorana quando os pais mudaram-se para uma cidadezinha da qual ele colocou os pés poucas vezes, não gostava de viajar.Dizia sentir-se deslocado.

Não se casou, nem teve filhos... Mas, comprou uma televisão maior pra assistir a copa.
No seu diário, que mantinha desde muito jovem, todas as páginas em branco, não conseguia escrever uma história, uma frase sequer...Uma história que não tinha.
Nunca se arrependeu, pois nunca sentiu falta de uma coisa que nunca fez...viver.
As páginas de seu diário, permaneceram em branco até o último dia de sua vida.

ENTRE OS LENÇÓIS BRANCOS.

Entre os lençóis brancos, chorou a noite toda por não ter por quem chorar...Olhou pela janela e viu que estava escuro, temeu uma morte solitária...O que seria de seu velório se ninguém estivesse perto de seu caixão?Lamentando a partida precoce de uma jovem com uma vida pela frente, que por um acidente sem graça da vida, se foi e nem deixou saudades perdidas!

O quarto frio, soluços incessantes, na espera de que alguém abrisse a porta pra lhe perguntar o que se passava...Ninguém abria a porta, nem passava em frente a ela...Mas na cabeça dela era rejeição que vinha rondar...Sem muitos amores ou desamores, já havia perdido esperança da vida que imaginava um dia chegar...

Enrolada nos lençóis brancos, ficava cada vez mais difícil de se soltar, parecia tão enrolada em seu próprio sofrimento, que um dia as lágrimas vieram em sangue e o lençol...aos poucos a manchar...o soluço cessar e, os desejos e sonhos se foram com o branco daqueles lençóis que um dia enrolara todo seu corpo e hoje apenas a sufocava até sua respiração cessar, junto com todos os outros sentidos...

O melhor remédio.

Rir é o melhor remédio somente para aqueles que não gostam de encarar a verdade.

Assumir as lágrimas, não tem problema, o duro é viver chorando!

O melhor remédio pra dores e mágoas, as vezes não é desabafar...Tem dias que não abrir a boca e escutar-se no próprio silêncio, seria uma atitude sábia.
Não procurar remédio pra qualquer dor, também seria um bom remédio...
A dor nem sempre é tão ruim assim...permitir-se sofrer, pode ser um grande aprendizado pra vivências posteriores...

Provar pra quem?

Por que estamos sempre tentando fazer sentido em mundo que não tem?

Para que provas?Para provar para nós mesmos que precisamos provar alguma coisa pra alguém...Só pode ser isso?E o que fazer ao invés disso?Ficar provando pra nós mesmos que não precisamos provar nada pra ninguém...bobagem, isso é uma grande bobagem!