Palavras de Clarice...

A sensação de não ter nada na cabeça, é bem pior do que a sensação de estar com a cabeça cheia.
Tentar pensar em coisas utéis e ver que pelo menos no momento, você só pensa em coisas sem utilidade alguma, é realmente frustrante!Esta sensação de mente vazia,me dá a sensação de vazio não só mental, mas um vazio interno, como se não houvesse sentimentos algum..Não conseguir ler um livro, por falta de interesse, sair com os amigos por falta de paciência, de ouvir e de falar aquilo o que eles querem ouvir...Não querer agradar o tempo todo ou não querer agradar ninguém, é resultado de que nada te agrada, nada te abala ou te espanta.
 É uma agonia danada que dá, não esperar coisas boas, coisas ruins, não esperar nada.Viver no comodismo que antes horrorizava, hoje acaba sendo uma saída também...
É pior do que se questionar o tempo inteiro, se ver sem questão alguma...desistir de se impor e de transpor algo para alguém...Como se desiste de pensar ou de ter opinião?
Sofrer pela falta não de outra pessoa, mas a falta que você faz a si próprio é bem possível...e um dos sentimentos mais esquisitos, mas ainda é um sentimento daquele que acha que não sente mais nada.
É bem verdade que a gente se acostuma, mas não devia...diria Clarice e não só concordo como faço as dela, as minhas palavras, é única coisa que tenho em mente hoje...mas não devia, porque disso o mundo está cheio cansado,e antes me cansava também e doía, pena não doer mais.Ou se acostumar para que a dor não ultrapasse as medidas porque é covarde demais para lidar com ela.
Pior do que não se conformar com tudo e não se acostumar com o que está errado, é se fazer de morto quando ainda está vivo, mas acha que a vida é dura demais e você perdeu aquele interesse em mudar alguma coisa, dai um dia a gente percebe que, não mudamos o que incomodava mas o que incomodava nos mudou...completamente.
E será que um dia a gente se acha quando se perde em si mesma?Não tenho ideia...não tenho nenhuma ideia.
...
Eu sei, mas não devia.

 Clarice Lispector

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar o café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduiche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já e noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a poluição.
As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
As bactérias de água potável.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma".