A bagunça.


Está tudo uma bagunça, a casa, os pensamentos...a alma e o coração.
Deixei a louça na pia, a toalha de banho na cama e o coração na mão.
Tive que deixar você ir embora e aprender a lidar com o que não posso controlar, nem prever.
As coisas acontecem, tudo muda o tempo todo, não podemos evitar certas coisas da vida.
È como dizia minha vó, "tudo que tiver de ser, será".
Esta é a graça em viver, recomeçar de novo, tudo, todos os dias, de maneira diferente.
Vou começar a organizar as coisas, a casa, a cama, o coração e começarei com uma limpeza na alma...fazendo isso, o resto se ajeita ou eu ajeito depois.
Será uma coisa de cada vez e tudo no seu tempo.


Eu, o mundo todo e todo mundo.


Acordei precisando ouvir coisas boas, precisando de conforto...acordei me sentindo do avesso.
Não liguei a televisão porque tive medo das notícias, precisava escutar coisas boas, palavras de esperança . E o mundo está totalmente maluco e doente, a televisão, o jornal, não dariam a sensação que eu precisava encontrar.
Eu queria escutar que ficará tudo bem, gostaria de escutar que tudo logo estará em paz.
Que esta agonia, o medo e coisas ruins vão acabar, é só ter paciência , um dia eu melhoro com o mundo e mundo melhora comigo.
Mas ninguém pode me dizer que terei uma coisa que talvez não exista mais, se existe, estão economizando, pouco vemos neste mundo, a paciência  e a paz.Estão extintas.
Vivemos em guerra, com nós mesmos, com os outros, em casa, com o mundo, nos meios de transporte, nas filas mais diversas, não vemos, nem temos paciência, paz, amor ao próximo.
Não está tudo bem e acho que não ficará tão cedo.
Por isso escuto constantemente usarem o termo "mais uma batalha vencida" ao final do dia , saímos de casa todos os dias preparados para uma guerra, munidos de raiva, falta de respeito e sem amor ao próximo.
Todos nós perdemos um pouco de nós mesmos a cada dia de batalha, nos perdemos querendo encontrar alguma coisa, e as vezes tenho a impressão de que esta coisa que procuramos é o que chegamos a ser um dia, que se perdemos por ai na confusão do mundo.
Buscamos encontrar algo que preencha o vazio que nós causamos ao afastar o amor, ao deixar de espalhar coisas boas como singelos sorrisos e gentilezas. Queremos encontrar importância pra alguém ou pra determinadas coisas, encontrar um lugar que a gente sinta segurança, conforto, sinta que é só nosso, procuramos ser escutados, entendidos, vistos, alguns procuram meios de tornarem-se mais ricos, mais fortes ou mais poderosos, ou mais bonitos...sempre voltados ao que interessa, nosso próprio beneficio .
E nesta busca em encontrar algo que muitas vezes nem temos ideia do que seja, a gente se perde um pouco e cada vez mais nas dores e desamores do mundo, em toda esta confusão, somos corrompidos e invadidos constantemente por sentimentos que são gerados na guerra, na dor , na miséria humana .
Sentimentos gerados nos momentos em que perdemos os valores e a noção do que é ser "humano com toda humanidade possível". Entende como é isso? Ou já esquecemos do que é ter humanidade?
Eu queria escutar que hoje é um dia ruim mas, amanhã estarei tranquila.
Mas talvez minha agitação seja medo de enfrentar este mundão, que me assusta cada dia mais.
E lá, por de trás da porta ao lado de fora o falatório apenas começou, o choro das crianças com fome, o gemido das mulheres injustiçadas, com dores e desamores e os gritos de medo dos homens  ainda persistem e por mais que eu finja não ouvir eles vão continuar, cada vez mais alto os gritos, o choro, o gemido e o fingimento.
Assim caminha a humanidade, rumo a miséria do mundo e a miséria que existe em cada um de nós, vivemos, todos os dias fingindo alguma coisa, para não ter que encarar o que não é agradável aos olhos e suportável ao coração, ou vice- versa.
Todo mundo quer paz, dentro de si, a guerra aqui fora não importa desde que "eu " esteja bem.
Só sou afetado com o que é direcionado á mim, o outro, o resto não importa desde que eu não esteja envolvido, se eu estiver bem, nem sei de nada.
Perdemos a coragem e a vontade de enfrentar e vivemos fingindo que não estamos vendo nada, que não estamos escutando, que não existe desgraça, se ela não me afeta então é inexistente.
Estamos contagiados de egoísmo e egocentrismo, estamos todos doentes.
Talvez não seja somente eu que acordei do avesso, sou eu o mundo todo e todo mundo.
Hoje acordei com dor e um imenso aperto no peito, precisando de conforto, me sentindo as avessas e notei que este estado tornou-se uma condição no mundo atual.
E assim caminha a humanidade, rumo a perda de valores, amor, respeito...estamos perdendo o que há de bom em nós e a sensação do vazio cresce a cada dia, porque dentro de nós sobra cada vez mais espaço do qual acabamos preenchendo com a miséria humana.
Hoje eu acordei querendo ouvir que tudo vai acabar bem, que tudo vai dar certo, que logo teremos paz.
Mas acho que estou farta de escutar mentiras ,cansei de fingir que está tudo bem ou que ficará tudo bem, não quero mais esta agonia...esta sensação de estar do avesso é tão real porque tudo está realmente do avesso, que bom ver tão claramente as coisas.
Estamos no mesmo barco, esperando pra ver se retomamos ao lado original, se é que ele ainda existe.
Talvez se eu enfrentar o que vejo e escuto eu mude com o mundo e o mundo muda comigo...talvez só assim a dor , agonia e angustia cesse.
Porque hoje eu levantei do avesso, eu, o mundo todo e todo mundo.

Hoje, não é meu dia.



























 Hoje eu me recuso, não é meu dia, não pode ser, nem por uma piada sem graça da vida.
Tem muitas coisas que deixei de fazer, outras não fiz pela falta, de tempo, falta de dinheiro, falta de coragem.
Eu não realizei meus sonhos, nem disse o que eu queria dizer as pessoas que amo ao mundo. Fiquei em silêncio em tantos momentos que deveria ter falado... 
E também, não ouvi metade das coisas que pretendo ouvir "um dia".
Não terminei de ler aquele livro, não comecei o meu poema, não dancei aquela música. Não fiz uma grande viagem.
Me recuso, não é meu dia.
Não me realizei profissionalmente, amorosamente e nem fisicamente. Definitivamente, me recuso.
Eu não fiz grandes descobertas e não desenvolvi grandes projetos, não me desenvolvi do jeito que planejei.
Hoje eu não vou morrer, porque quero colocar aquele salto que sempre prometi "um dia" usar e vou sair para beber com minhas amigas em um bar qualquer, como dissemos "um dia" ir e nos esbaldar de tanto rir e dançar...Pra relembrar o passado e refazer diante do futuro, mudando atitudes do presente.
Dançar...Pra sentir as pernas doerem no outro dia, beber e sentir ressaca, pra sentirmos que ainda consegueríamos sentir alguma coisa além de pressa de chegar á algum compromisso, além de vontade de marcarmos de nos reunir, e nunca conseguir fazer isso, devido á correria da vida e as obrigações de mães, esposas, funcionárias e assim vai.
Hoje, não, me recuso, não é meu dia, porque eu ainda preciso tentar aquela receita da minha vó na ceia de ano novo, ainda preciso cumprir a promessa de usar uma fantasia sexy  pro meu marido, da qual  por vergonha dos excessos nunca vesti.
Hoje não dá , eu me recuso, ainda não expliquei pro meu filho como seria sua vida se eu partisse, ele ainda nem sabe que o papai noel não existe, não aprendeu amarrar o tênis e também de mais a mais, ainda preciso leva-lo pra conhecer o parque do Ibirapuera, ensina-lo a ler e leva-lo á biblioteca. Prometi que "um dia" o ensinaria á nadar e o levaria á praia...
 Eu preciso me reconciliar com o passado, ainda preciso perdoar e pedir perdão.
Preciso fazer inscrição naquele curso de fotografia, terminar a faculdade...terminar meu livro, terminar meus dias sentindo que vivi minha vida e que ela foi minha só minha e de mais ninguém.
Que eu vivi intensamente pra ser feliz.
Me recuso, hoje não...não é meu dia.
Hoje eu não quero e não vou morrer...Não posso morrer sem ter vivido.
 Se houvesse dito a minha mãe o quanto á acho bonita e sempre admirei á sua força , primeiro, por trabalhar tanto e esquecer-se dela, pra nos criar, pra nos dar o melhor, depois,  por aguentar o que aguentou pra nos ver unidas, e por último, por ela ter visto que isso nunca seria possível, mas não ter sido motivo suficiente pra impedi-la de tentar.
Se houvesse dito á ela que sempre á amei e pensei nela todos os dias ao levantar-me da cama, dizia á mim mesma, que eu podia conseguir tudo aquilo que eu quisesse se eu lutasse, pois minha mãezinha havia me ensinado que sem lutas não há vitórias...se ao menos tivesse dito, poderia morrer tranquila.
Se eu houvesse falado aos meus amigos que eu sempre os amei e fiz de tudo para visita-los e estar perto de alguma maneira, que sofri a dor deles mesmo de longe, eu poderia ter paz em minha morte.
Se eu tivesse ensinado meu filho á andar de bicicletas e dizer bom dia, boa tarde, boa noite e com licença por favor, poderia aceitar que este fatídico dia chegou, e é hoje...mas não, então, me recuso á morrer agora.
Eu não me casei no papel, nem vesti um vestido de noiva como sonhei, nem por curiosidade...eu não assumi á meu marido que ronco e babo quando estou dormindo e nem pedi desculpas pelas vezes que descontei meu nervosismo, minha tpm, minha revolta com minha família e com os problemas do mundo nele.
Não posso morrer hoje, assim, sem mais nem menos, sem dizer á ele que mesmo quando passamos por dificuldades, eu sempre o admirei por me aguentar e estar segurando minha mão quando tive medo de ir ao dentista, de ir ao médico, na sala de parto...nunca lhe disse que me sentia mulher, bonita e capaz, quando ele me olhava , nunca mais eu lhe disse "eu te amo". Se ele não souber o quanto foi e é importante pra mim eu não terei paz.
Não cumpri várias promessas que fiz á meus sobrinhos, não cantei em público, não perdi aqueles cinco quilos na academia, não participei de nenhuma manifestação, não conheci nenhum politico honesto, e nem me perdoei de sentir raiva e mágoa de pessoas que eu amava.
Nunca senti que era dona de minha vida, sempre trabalhei para os outros e nunca disse sinceramente, hoje estou verdadeiramente feliz...talvez não tenha dito porque não tenha sentido isso dentro do meu coração, me recuso, hoje não é meu dia vou buscar esta felicidade antes de partir.
Não fiz muita coisa, não disse quase nada , quase não fiz o que queria.Trabalhava para os outros, segui as regras, fui honesta, fui gentil.
Porque precisava ser alguém e chegar á algum lugar, precisava agradar aos outros pra conquistar coisas, pessoas, não fui quase a metade do tempo em que passei viva.
Fui passiva quando não devia e omiti muitas opiniões por medo de não ser aceita...Me recuso, esta outra metade de tempo, quero ser eu e viver pra mim.
Priorizei o futuro sempre, achava preciso ter um futuro seguro e estável, me recuso á morrer agora, sem aproveitar a segurança e estabilidade que sempre batalhei para um futuro, do qual chegou e eu estarei morta?Me recuso, hoje não é meu dia.
Será que se eu não morrer hoje vou fazer e dizer tudo aquilo que deixei de fazer?
Serei eu mesma, andarei sem pressa e serei feliz?
Viverei intensa e lindamente e vou tomar posse da minha vida?Sentindo que ela minha e só minha?
Na verdade...acho que nunca estive tão viva quanto agora que estou morta!