Páginas em branco.

Todos os dias, ele ia trabalhar já querendo voltar pra casa...Decorou as ruas, o nome delas e todos os bares e becos que haviam em volta, o mesmo carro vermelho que passava exatamente ás 6:33 da manhã, sabia que depois dele, viria o senhorzinho que comprava pão ali, na padaria da esquina, ás 6:36 ele diria Bom Dia, em seguida sua lotação.

Os mesmos rostos e, as mesmas reclamações por anos...As crianças viraram adolescentes e as pessoas envelheceram junto com ele, notava sua vida passar sempre igual de dentro de uma janela...fosse do ônibus, fosse de seu escritório, fosse da sala de casa...Onde viu muitas chuvas e acompanhou muitas mães levando seus filhos na escola.Assistiu muitos namoros, alguns até transformaram-se em casamento, depois de algum tempo em separações.

Todos o conheciam, mas, poucos lembravam-se dele...temia chamar atenção.

Tímido, nunca teve grandes amores, nem casos tórridos de paixão...No máximo, romances de elevador ou filas de mercado, daqueles platônicos que, nunca passam de um sorriso no canto da boca.

Não saia de casa no inverno, no verão preferia ficar em frente ao ventilador, vendo o vento passar e levantar o jornal,conseguia achar divertido...sentia-se cansado no outono e na primavera, tomava chá gelado no jardim e, observava as formigas trabalharem.

Não incomodava ninguém, não se incomodava com nada, tinha tudo que precisava e por isso, não fazia questão de ter o que queria...Não era relevante.

Amigos, se pudesse dizer que os tinha, eram tão poucos que nunca os viram no portão...Tinha tanto medo que tudo acabasse, por isso nunca começou nada, nem arriscou nada, porque preferia estar seguro.

Morou com os pais até os trinta, passou a morar sozinho, pois teve medo de não se adaptar a vida interiorana quando os pais mudaram-se para uma cidadezinha da qual ele colocou os pés poucas vezes, não gostava de viajar.Dizia sentir-se deslocado.

Não se casou, nem teve filhos... Mas, comprou uma televisão maior pra assistir a copa.
No seu diário, que mantinha desde muito jovem, todas as páginas em branco, não conseguia escrever uma história, uma frase sequer...Uma história que não tinha.
Nunca se arrependeu, pois nunca sentiu falta de uma coisa que nunca fez...viver.
As páginas de seu diário, permaneceram em branco até o último dia de sua vida.

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