OLHO POR OLHO.

Chega, quero olho no olho.

E quando é que ficou tudo tão... Olho por olho e dente por dente?

Quando as pessoas se olhavam de verdade, elas viam coisas que não vemos agora.

E havia cumplicidade, uma solidadriedade, uma humanidade que se perdeu.Perdemos o hábito de enxergar o outro. È tudo olho por olho.

Ninguém olha para trás, não se interessam em recuperar sentimentos, coisas boas, um costume antigo de se importar com os outros.Dente por dente.

Também não olham para o lado, tanta chuva, tanta coisa desabando, os carros batendo e os meninos no farol trabalhando, mendigando, atenção, uma moeda...qualquer coisa pra matar a fome, matar o frio, a sede...Da vida, da água, da vingança de um mundo que os puniu e nem conseguem enxergar porque.

Nos recusamos também, a olhar para frente, até tememos o que pode vir, porque e se vier pela frente algo que não dá pra encarar?Ter que olhar olho no olho, sem desviar o olhar...Ter de se enxergar nos olhos daquele que nos percebe, mas não nos acusa, pois se vê igual, olho no olho, revela as mentiras sinceras que gostamos de maquiar para nosso olhar.

Nos acostumamos a fechar a boca, ranger os dentes, baixar a cabeça e olhar para o próprio umbigo , pra quem não gosta de ver o que reflete nos olhos alheios, se tornou a melhor opção.

Tá olhando o que?

Páginas em branco.

Todos os dias, ele ia trabalhar já querendo voltar pra casa...Decorou as ruas, o nome delas e todos os bares e becos que haviam em volta, o mesmo carro vermelho que passava exatamente ás 6:33 da manhã, sabia que depois dele, viria o senhorzinho que comprava pão ali, na padaria da esquina, ás 6:36 ele diria Bom Dia, em seguida sua lotação.

Os mesmos rostos e, as mesmas reclamações por anos...As crianças viraram adolescentes e as pessoas envelheceram junto com ele, notava sua vida passar sempre igual de dentro de uma janela...fosse do ônibus, fosse de seu escritório, fosse da sala de casa...Onde viu muitas chuvas e acompanhou muitas mães levando seus filhos na escola.Assistiu muitos namoros, alguns até transformaram-se em casamento, depois de algum tempo em separações.

Todos o conheciam, mas, poucos lembravam-se dele...temia chamar atenção.

Tímido, nunca teve grandes amores, nem casos tórridos de paixão...No máximo, romances de elevador ou filas de mercado, daqueles platônicos que, nunca passam de um sorriso no canto da boca.

Não saia de casa no inverno, no verão preferia ficar em frente ao ventilador, vendo o vento passar e levantar o jornal,conseguia achar divertido...sentia-se cansado no outono e na primavera, tomava chá gelado no jardim e, observava as formigas trabalharem.

Não incomodava ninguém, não se incomodava com nada, tinha tudo que precisava e por isso, não fazia questão de ter o que queria...Não era relevante.

Amigos, se pudesse dizer que os tinha, eram tão poucos que nunca os viram no portão...Tinha tanto medo que tudo acabasse, por isso nunca começou nada, nem arriscou nada, porque preferia estar seguro.

Morou com os pais até os trinta, passou a morar sozinho, pois teve medo de não se adaptar a vida interiorana quando os pais mudaram-se para uma cidadezinha da qual ele colocou os pés poucas vezes, não gostava de viajar.Dizia sentir-se deslocado.

Não se casou, nem teve filhos... Mas, comprou uma televisão maior pra assistir a copa.
No seu diário, que mantinha desde muito jovem, todas as páginas em branco, não conseguia escrever uma história, uma frase sequer...Uma história que não tinha.
Nunca se arrependeu, pois nunca sentiu falta de uma coisa que nunca fez...viver.
As páginas de seu diário, permaneceram em branco até o último dia de sua vida.

ENTRE OS LENÇÓIS BRANCOS.

Entre os lençóis brancos, chorou a noite toda por não ter por quem chorar...Olhou pela janela e viu que estava escuro, temeu uma morte solitária...O que seria de seu velório se ninguém estivesse perto de seu caixão?Lamentando a partida precoce de uma jovem com uma vida pela frente, que por um acidente sem graça da vida, se foi e nem deixou saudades perdidas!

O quarto frio, soluços incessantes, na espera de que alguém abrisse a porta pra lhe perguntar o que se passava...Ninguém abria a porta, nem passava em frente a ela...Mas na cabeça dela era rejeição que vinha rondar...Sem muitos amores ou desamores, já havia perdido esperança da vida que imaginava um dia chegar...

Enrolada nos lençóis brancos, ficava cada vez mais difícil de se soltar, parecia tão enrolada em seu próprio sofrimento, que um dia as lágrimas vieram em sangue e o lençol...aos poucos a manchar...o soluço cessar e, os desejos e sonhos se foram com o branco daqueles lençóis que um dia enrolara todo seu corpo e hoje apenas a sufocava até sua respiração cessar, junto com todos os outros sentidos...